Ranço em estado bruto: Crônicas de um eleitor cansado da mesma novela
Tudo (ou quase tudo) neste país, administrado por uma coleção de políticos no mínimo duvidosos, passa por eles. Do recém-formado que mal pega o diploma e já corre atrás de um padrinho, até as decisões mais importantes da República, lá estão os políticos: com dedo, mão e, às vezes, o braço inteiro enfiado no meio — e, claro, decidindo tudo.
Ando meio enojado desse povo, mas meu ranço não é da política. Política, como Aristóteles definiu, é “a arte de bem governar para o bem comum”. Lindo, né? Só que essa poesia vira terror psicológico quando aplicada ao Brasil real, onde o “bem comum” parece sempre comum demais… e nunca chega ao povo.
Meu ranço é do sistema — essa máquina trituradora que corrompe pessoas, igrejas e quem mais der bobeira. Um sistema que transforma cidadão em torcida organizada, eleitor em soldado, militante em fanático. Divide famílias, separa amigos e depois abandona todos, igual traficante que usa o recruta, descarta e ainda culpa o próprio recruta no fim.
Dizem que existem bons políticos. Dizem. Do mesmo jeito que dizem existir mapinguari, mula-sem-cabeça e onça-pintada albina. Nunca vi. E, honestamente, não ponho a mão no fogo por nenhum: queimaria a mão e ainda apareceria um deles dizendo que a culpa foi minha.
É uma classe perigosa, ingrata, interesseira. Promete mundos e fundos, entrega migalhas — quando entrega. Compra e não paga, fecha com o aliado pobre e depois passa a rasteira. E o melhor: quando dá errado, a culpa é sempre de algum ente místico — o antecessor, a crise, Mercúrio retrógrado ou o “sistema”.
E agora vem aí o grande espetáculo: ano eleitoral. A temporada oficial da enganação. Começam as visitas forçadas, político rico sentado em sofá pobre fingindo que gosta de café frio. Emendas pipocam para shows, porque juntar gente e postar foto rende mais voto do que asfalto, hospital e escola.
Jogada perfeita: palco, cantor e multidão — "o hat-trick sagrada dos políticos".
E as promessas… ah, as promessas. Prometem o que podem, o que não podem e até o que nem deveriam. Tem político prometendo resolver problema que nem é da alçada dele — parece até que virou gerente do universo.
E o povo?
Acredita. Com a mesma fé com que acredita em pirâmides financeiras, cura quântica e dieta do ar.
A decepção vem depois, sempre vem. Quando o palanque some, o show acaba e a última promessa evapora como poeira na estrada esburacada.
É uma novela sem final feliz, sem vilão preso e sem mocinho honesto. Enquanto isso, o povo continua nas filas do SUS, desviando de buracos que parecem crateras lunares, tentando sobreviver a uma economia manca, a uma educação abandonada e a uma infraestrutura remendada com fita adesiva.
E, no final, como sempre, sobra a conta para quem nunca teve culpa.